17 de mar. de 2010

REALIZAÇÃO


Dizem por aí que a pessoa é para o que nasce. E deve ser verdade. Bem, pelo menos no caso do nosso herói, Marynelson da Silva.
Em que pese ter nascido numa família de classe média baixa e ter sido criado num subúrbio da Leopoldina, no Rio de Janeiro, ele nunca se destacou por nenhuma aptidão física especial como empinar pipas, sambar, jogar bola, correr da policia e outras praticas esportivas comuns no seu meio. Já na escola destacou-se por sua memória excepcional. Era um verdadeiro elefante (dizem que esses animais não esquecem nunca). Ao fim de cada aula era capaz de repetir com as mesmas palavras tudo o que o professor dissera. Igualzinho. Uma coisa inacreditável. Nas provas escritas suas frases eram iguais às do livro-texto. Sem tirar nem por.
Até o fim do primeiro ciclo, (o que já foi chamado de ginasial), o Marynelson foi um sucesso: O Rei da Tabuada; imbatível nos exames orais; declamador famoso (era capaz de repetir quase todas as poesias de Castro Alves sem tomar fôlego); Sabia a tabua dos elementos químicos sem esquecer nenhum e na ordem; suas redações reproduziam páginas e mais paginas dos livros recomendados pelo MEC. Enfim: Um estudante exemplar.
Mas - sempre tem um mas na vida das pessoas - no segundo ciclo as coisas começaram a se complicar. Já não bastava a decoreba, sendo cobrado dos alunos uma coisa nova: O raciocínio. Na matemática veio a álgebra com seus teoremas para complicar a vida do nosso herói e suas soluções que pediam o desenvolvimento dos cálculos. Não bastava a solução apresentada nos exercícios pelos livros. Inicialmente ele enganava com as formulas decoradas mas quando tentava apresentar a solução (CQD – como queríamos demonstrar) o professor cobrava (CDF – como deveríamos fazer). E para complicar ainda mais, nas provas, os examinadores teimavam em trocar os algarismos dos problemas propostos. Enfim, uma sacanagem para com o aluno.
Foi aí que ficou evidente a memória rara, fotográfica do Marynelson e sua incapacidade total de raciocinar, ou seja de combinar a informações guardadas no seu cérebro excepcional. Ele era um computador vivo e, como tal, estúpido. E o que é pior sem um programador...
Depois de reprovado várias vezes no mesmo ano o jeito foi o herói ir em busca de trabalho, em que pese suas poucas habilidades, para, mais de uma vez, ser demitido por suas limitações intelectuais. Verdade seja dita, o moço tendo uma boa formação moral nunca se envolveu com vícios, nem com viciados, pelo que nunca foi cooptado pelo movimento do tóxico.
Foi quando o bicheiro local notou a que o rapaz era capaz de guardar na memória toda a tabela do Jogo do Bicho e calcular todas as combinações possíveis nas apostas. Convidado para ser apontador do jogo (aquele que anota as apostas) não aceitou de pronto mas, diante da inexistência de outra ocupação rentável, resolveu topar. Durante muito tempo lá ficou ele com sua cadeira ao lado de um boteco dando seu expediente de contraventor. Nada demais já que o jogo é tolerado no Rio de Janeiro.
Mas – na vida do Marynelson sempre há um mas – um dia o bicheiro não molhou a mão da “otoridade” local e lá foi nosso herói passar uma temporada atrás das grades.
Abençoada prisão. Foi lá que um pastor apresentou-o ao Senhor e, mediante dez por cento dos seus parcos ganhos, passou a fazer parte de uma Igreja. O seu pastor vendeu-lhe um Novo Testamento e, para surpresa do pregador, em menos de um mês Marynelson foi capaz de recitar o livro todo sem errar um só versículo. Rapidamente passou de fiel a obreiro (ajudante de pastor) e, concluída sua pena, agora cuida da igreja na ausência do pastor que lhe garantiu que quando decorar a Bíblia toda poderá ter sua própria igreja.
Isso está deixando nosso herói cada vez mais empolgado na sua pregação ainda mais sabendo dos resultados da coleta do dízimo dos fiéis.
Marynelson não quer mais ser pastor, agora sonha com o bispado graças à sua memória prodigiosa, ainda que desprovida de raciocínio.

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