23 de nov. de 2009

TEVE UM DIA QUE...

Teve um dia que... Assim começam quase sempre as charlas galponeiras das rodas de mate no fim do dia. E é assim que começam quase sempre as lembranças em nossa memória. Por isso...
... Teve um dia que, nas férias de verão, a Neiva Gonçalves me apareceu com o convite para ir “prá fora” com seus primos e primas, a turma das Bilicas, lá prá Estância União no Toropasso. Isso teve um significado enorme, foi minha a aceitação definitiva na turma mesmo sendo guri da cidade e sem ser filho de estancieiro. (Meu velho trabalhava com fazendas, mas não pertencia à nata da sociedade local, era gerente das Casas Pernambucanas).
O Toropasso hoje fica logo ali no caminho para a Rizícola, mas naquele tempo em que quase ninguém tinha auto, ônibus era uma praga que ainda não havia vingado e asfalto ainda nem era cogitado o caminho era a velha carreteira, os bretes e as servidões. O jeito foi encarar a boa e velha Maria-fumaça.
No dia marcado lá estava eu na estação da VFRGS com o grupo para o qual havia sido designado, sim porque nem todos viajávamos juntos. As meninas já haviam seguido alguns dias antes, sob o comando de D. Hilda, proprietária da estância e mãe de parte do bando. Foram meus companheiros de viagem o Afonso Fabrício, o Zeca Velo, o Sergio Arthur, o Polaco que, como filho dos proprietários, liderava. Os preparativos foram feitos com toda antecedência sendo cada qual era responsável por seus pertences: vestuário, roupa de cama, toalhas de banho, material de higiene. (Alguns de nós, previdentes, levávamos biscoitos, caixetas de goiabada... e pacotes de cigarros, imprescindíveis para nossa auto-afirmação).
Na estação do Toropasso éramos esperados pelo carro, uma carruagem puxada por dois cavalos, lembrança de outros tempos, mas o Polaco foi para casa montado em seu próprio cavalo que lhe fora entregue por um peão. Esse mesmo carro seria usado para grandes lutas entre mocinhos e bandidos quando a gurizada a cavalo atacava as meninas que viajavam nele indo para tomar banho no rio. Grandes perseguições à diligência... Coisa de matine de domingo no Cine Carlos Gomes.
Vamos ver se consigo lembrar a turma que “veraneava” no Toropasso... As “Bilicas”: Odilinha, Neiva, Noris, Niura e Gladis; as Borges da Costa: Leilah, Suzana e Alicinha; as Fabrício: a Laura e a Vera; a Pia Barzoni... Os guris da casa: Juarez, Polaco, Pistola, Newton; e mais Sergio Arthur, Zeca Velo, Afonso Fabrício, e o futuro prefeito, Carús ainda recém aluno da Escola Preparatória de Porto Alegre, e... acho que esqueci alguém. Haviam outros “veranistas” dos quais é difícil lembrar já que a União parecia um acampamento de férias e os grupos estavam sempre se renovando.
Os guris ficavam hospedados num galpão ao lado da casa principal onde, depois das nove da noite, D. Hilda trancava as gurias. Até àquela hora o convívio era livre sendo que à noite, na sala de costura, ainda sob o olhar vigilante da dona da casa, dançava-se ao som da Radio Charrua, os sucessos para o carnaval que se avizinhava.
A vigilância era justificada: Naquele tempo ainda se dançava abraçado (Era ótimo!) e às vezes tocava um bolero... Alias continuo sem entender essa negócio de ir a festas pular fazendo ginástica aeróbica com tanta mulher dando mole. O horário do fim das atividades diárias, na verdade, era motivado pelo desligamento das baterias do gerador do cata-vento, situado ao lado do galpão e fazendo um rangido insuportável.
Teve um dia que... a Alicinha abaixou-se para servir o mate e pudicamente colocou a mão espalmada sobre o decote da blusa, e eu (juro que sem nenhuma má intenção) perguntei se ela estava com dor de garganta. A guria ficou ofendida e, solidarias com ela, as outras meninas quase pediram minha expulsão da União como inconveniente, o que só não se deu por interveniência direta de D. Hilda de quem eu gozava da simpatia. Cá entre nós, acho que ela não desconfiava que eu “arrastava asa” prá Vovó.

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