23 de nov. de 2009

BONS TEMPOS


No começo de outubro passei uns dias em Mato Grosso como jurado do Festival de Cinema de Cuiabá e aproveitei para visitar velhos amigos de outras andanças por aquelas terras do Centro Oeste brasileiro. E, eta terrinha quente!
Lembrou-me os verões da minha Uruguaiana dos meus tempos de guri quando o asfalto ficava tão quente que dava para fritar ovos nele. Quem fez essa experiência foi a turma da Confeitaria Campana, naquela época já sobre o comando do Aymone, disputando com o Café Velo a primazia de ser o ponto de encontro dos marmanjos para um bate papo animado e a baixo custo.
Durante o dia ninguém batia o Velo, mas, depois que o sol se punha o Campana é quem dava as cartas na Bento Martins. Ainda não existia o calçadão, mas no verão depois de fechado o comercio, as duas quadras que iam da esquina da Pernambucana até o Club Comercial eram bloqueadas por cavaletes para a prática do “footing”; ou seja, um vai-e-vem continuo das moçoilas e rapazes sob o olhar vigilante das mães instaladas nas janelas, sacadas ou nos bancos da Praça da Rendição. Já os respeitáveis membros do sexo macho da terra se deleitavam conversando, charuteando e bebericando esparramados nas cadeiras de palha instaladas em frente ao Comercial ou “orelhando a sota” num pif-paf no salão de jogos.
            “Ir ao Clube” era uma atividade quase que exclusivamente masculina às mulheres só se lhes permita a presença em atividades sociais como festas e bailes. No restante do tempo aquele era um “club britânico” onde para combater o calor haviam sido instalados possantes ventiladores já que ar condicionado era um luxo inexistente naquela princesinha do Uruguai.
            Uma coisa que nunca entendi foi a resistência dos nossos conterrâneos a qualquer instalação que viesse a amenizar a inclemência do tempo. No meu tempo de guri não me lembro de residência alguma que tivesse algum controle de variação térmica. De piscinas nunca ouvira falar e lareiras eram uma raridade. É verdade que algumas residências mais sofisticadas as possuíam, mas raramente era acesas. Por que, não sei, mas certamente não seria por proteção ao meio ambiente. (Essa neura só iria vicejar quase que meio século depois). Há até que fale que estas condições espartanas de vida refletiam a rusticidade do povo da nossa terra mais afeito ao trabalho duro do que a boa vida. Não sei, não...
            Uruguaiana, mesmo no verão mais inclemente, quando o único refresco era um banho nas águas turvas do Uruguai, era uma festa permanente. O pessoal gostava mesmo de um arrasta-pé fosse ele nos galpões campeiros ou nos salões da cidade. Qualquer acontecimento era motivo para uma festança fosse ela um fandango ou assalto carnavalesco a casa de algum “coronel” patrocinador de algum bloco. Isso sem contar as animadas festas do Laço do Amor e do Cordão de Ouro, as mais tradicionais agremiações dos afro-descendentes locais, que muitos rapazes “de bem” gostavam de freqüentar em que pese os olhares desconfiados dos seus associados.
Quem se dava bem neste caso era eu que, privilegiado, era considerado afilhado de Dona Noêmia, a matriarca da família Da Nova, tendo livre acesso àquele povo festeiro e animado e, suprema deferência, foi ela quem cuidou sempre de minhas roupas, principalmente do meu indefectível traje de linho branco S-120, minha suprema elegância de frangote metido a galo. Ah, quantas vezes agradeci e continuo agradecendo intimamente a dedicação da minha velha amiga.
Mesmo considerando que as condições de vida era muito mais difíceis naqueles tempos acho que todos nós que neles vivemos guardamos no fundo do peito uma saudade imensa daquela Uruguaiana do século passado.

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