27 de dez. de 2010

COMPADRIO


Quando eu era guri aí em Uruguaiana a instituição do compadrio era levada muito a sério por todos. Ser compadre ou comadre de alguém envolvia uma serie de responsabilidades e protocolos. Comadres eram ao mais das vezes amigas intimas, de conversar na cozinha como se costumava falar, mas nem isso as eximia de atitudes, por assim dizer, ditadas pelas regras sociais então vigentes. Uma dessas regras era a de que ninguém visitava uma amiga sem que antes essa houvesse sido avisada. Visitas eram marcadas com antecedência, em horários certos – geralmente na hora do chá, às cinco da tarde – e, como muito poucas eram as casas que dispunham de telefone a comunicação era feita por meio de bilhete, ou mesmo recado, levado por uma criadinha à visitada. Tudo muito elegante. E a cada visita dessas a visitada se tornava devedora de uma vista para com a amiga visitante. Pagar visita era, então, uma obrigação alegremente aceita por aquelas mulheres presas às lides do lar, quase que exclusivamente ocupadas pela criação dos filhos e com o bem estar da família, já que eram raras as que tinham alguma outra ocupação a aliviar o tédio do seu viver provinciano de poucas e raras oportunidades de diversão. Advém daí a importância da manutenção dos laços de compadrio, principalmente pelo sexo feminino.
Na década de quarenta, do século passado, (“Nossa, como estou antigo!”) a Ponte Internacional estava sendo construída e um dos seus engenheiros, o Dr. Carlos Bube dos Santos e meu pai se fizeram amigos ligados pelo prazer das caçadas de perdiz. A mulher do engenheiro, Dona Tita, era uma figura de valquíria perdida na fronteira oeste, usando seus cabelos trançadas em volta da cabeça como um frau germânica e, suprema modernice, fumante inveterada. Isso talvez para fazer par com o marido que comumente desfilava assoprando baforadas de fumo “Half-and-Half” dos seus elegantes cachimbos importadas. Um casal muito distinto unido numa amizade quase que improvável com outro, simples e quase que obscuro na sociedade local, os del Cueto. Foram eles, os aristocráticos dos Santos, padrinhos de batismo de minha irmã, Gilda.
É dessa época que lembro as visitas “pagas” entre as comadres, quase sempre à tarde e coroadas com lanches, a meu ver pantagruélicos, fornidos de bolos feitos em casa e pães cabrito comprados na Padaria Anglada. A tudo isso se somava o prazer de brincar no grande quintal da casa da comadre Tita. Motivo bastante para que eu ansiasse pela chegada do dia em que minha mãe iria pagar sua visita. Para aumentar ainda mais a alegria o casal tinha dois filhos, o Sergio e o Rubens, quase da minha idade que se fizeram meus amigos e companheiros por muitos e muitos anos. Hoje não sei mais por onde andam... Mas a lembrança ainda persiste.
Dentre as inúmeras virtudes que a comadre exibia havia uma que fazia muito sucesso no seu circulo de amizades. Dona Tita se dizia cartomante e lia a sorte no baralho comum. Dizem que costumava acertar suas previsões, e eu como todo menino curioso ficava assistindo aquilo estupefato. A vidente lia, segundo ela, o livro aberto da vida da consulente mostrado pelas cartas. E era um tal de “uma mulher morena, falsa”; “um homem claro que vira montado num cavalo baio”; “uma amiga distante que mandará noticias”; “um homem da lei”; “perigo de perdas causadas por alguém muito próximo”; “saúde de pessoa da família com a saúde debilitada”; “desentendimento com familiares”; “cuidado com bichos estranhos” e muitas outras revelações acolhidas com respeito pelos consulentes.
De tanto assistir dona Tita espalhando suas cartas na mesa e ouvir suas previsões, um dia, anos mais tarde, de brincadeira convenci meus amigos de meus dons de cartomancia e, pasmem, eles acreditaram. Principalmente as amigas...
Outro dia eu conto a historia de como enganei bem à moçada. 

3 comentários:

  1. olá!
    Meu nome é rafael Dias dos Santos, filho de Rubem Fontoura dos santos e neto do Carlos Bube dos Santos.
    Adoro encontrar vestígios de história da família.
    O "Vô Carlos" faleceu em 1974, poucas semanas após meu nascimento.
    Vivemos em Porto Alegre até 1983, quando mudamos para a casa da serra, em Canela, construída no final da década de 40, onde o vô e a vó moraram por alguns anos.
    Cheguei a levar meu pai (Rubem) a Uruguaiana para que ele revivesse suas lembranças, se sabendo depois que pela última vez. Reencontrou o seu velho amigo, o Dr. Hugo Tarrago, tomaram um bom vinho e choramos todos.
    Meu pai faleceu em Abril de 2009 em Canela. Meu tio Sérgio e meu pai não se falavam muito e até onde consta, mora em Porto Alegre.
    Foi uma honra ler o nome de meu avô aqui, citado com carinho e respeito pelo autor.
    Obrigado!
    Grande abraço!

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    1. E mais! Vi pelo teu perfil, que moras no Rio de Janeiro, cidade em que moro desde o ano passado.
      Sou cenógrafo/cenotécnico.

      Abraço,

      Rafael Dias dos Santos

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  2. Rafael, só li esse teu comentário nove anos depois. Um pouquinho atrasado.
    Moro no Rio e sou produtor cultural.
    Vai lá na minha página no Facebook e vamos nos encontrar.
    Abração

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