2 de ago. de 2010

EM FAMILIA


Festa de aniversário de oitenta anos da matriarca da família. Presentes ao evento, três gerações: pais, mães, avós, filhos, netos e bisnetos. Paira no ar uma aura de encantamento, bondade e amor. Até aqueles cunhados e cunhadas mais chatos e desprezados sentem-se integrados naquela ambiente acolhedor em torno da figura quase que divina da bisavó. As crianças e os adolescentes espalham-se por entre as mesas numa algaravia passarinheira e feliz.
De repente um grito estridente quebra aquela paz... Num extremo do salão, uma menina e um menino, duas crianças, se atracam aos tapas e berros na disputa por um doce de ovos que agora jaz esmagado no tapete persa da Bibí. As mães, aflitas, acodem para separar os litigantes usando a formula pacificadora de: - “O que é isso, menino. Onde já se viu bater na priminha?”
O garoto, arrastado pela mãe, é levado para um canto neutro daquele ringue familiar mas a menina continua sapateando aos berros de – “O doce é meu!... A vovó foi que fez prá mim!”...  A decana das domesticas da família, solícita, apresenta à menina um prato cheio de doces de ovos: - “Ó, Tininha... Não chora... É tudo prá você.” A pestinha birrenta dá um tapa na bandeja esparramando seu conteúdo e aumentando ainda mais a sujeira no persa da Bibí. A mãe, uma das “intrusas”, casada como o neto mais novo da aniversariante, tenta com delicadeza mostrar à filha que seu comportamento esta sendo intolerável. Mas o berreiro e o sapateado continuam ininterruptos constrangendo a todos os parentes e convidados. É quando, da sua poltrona Bergère (quase um trono de rainha-mãe), Bibi chama com voz baixa e cativante: - “Vem cá, menina, vem aqui com a Bibí!”
A guriazinha ainda hesita ensaiando mais alguns gritos mas é incentivada pela mãe:                        - “Vai lá, Cristina Maria. Vai! A Bibi está te chamando... (sussurrando) Acho que ela tem um presente prá ti.” Ao chegar junto a poltrona a velhinha faz com que ela sente no seu colo falando docemente:
- “Assim... meu amor. Pra que chorar? É um doce que a Tininha quer? A Bibi vai mandar buscar na cozinha e a neném não vai mais chorar, não é?”
Afastada a solícita afrodescendente no cumprimento da ordem real, a velhinha continuava afagando sua soluçante descendente: - “Passou...Passou...”
Enquanto isso um pelotão de funcionárias mais jovens se esbaforia na limpeza do persa; sem muito sucesso, é verdade. Aos poucos a calma foi voltando entre os convivas e as atenções se desviando daquela constrangedora demonstração de falta de má educação infantil.
Voltando da cozinha a criadinha trouxe uma bandeja cheia de doces variados estendendo-a para a menininha que olhou para eles com desdém e recomeçou a fungação.
- “O que foi Tininha, não quer mais doces?”
- “Desses, não!” Reclamou a guria já elevando o tom da voz , pronta para o berreiro. “Eu quero doce de ovo!”
Foi quando a Bibí, discretamente, levantou seu vestidinho e, enquanto apertava um beliscão na bunda da renitente, recomendou sussurrando no seu ouvido:
- Fica quieta! Pega esse doce e come... com gosto. Senão vou te dar um beliscão de te deixar a bunda roxa. Come!... E não chora!
Assustada e com os olhos arregalados ainda que cheios de lágrimas, Tininha pegou o doce e comeu sem reclamar. A Bibí tirou-a do colo, colocou no chão e, com uma leve palmadinha, despachou-a:
- Pronto. Passou! Agora pega um doce, leva lá pro priminho e vão brincar.
A Tininha não esperou mais nenhum incentivo e tratou de sumir da vista da velhinha. Ela agora sabia, por experiência própria, que a Bibí era muito boazinha mas não dava mole.
Ah, isso passou-se há muitos anos atrás, antes que chineladas se tornassem politicamente incorretas e listadas como crime e a Tininha, hoje mãe de outras crianças, nunca apresentou desvios de comportamento que a tornasse incompatível com o bom convívio social.

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