23 de mai. de 2010

RECUERDOS


(recomendo ler ouvindo “Tango do Meretrício” de João de Almeida Neto)
Os pseudo-moralistas que me perdoem, mas uma das coisas de que tenho mais saudades do meu tempo de rapaz em Uruguaiana é... do chinaredo. Do tempo em que os sábados começavam com o footing na Bento Martins, seguido de reunião dançante no Comercial e encerrado com indefectível visita às primas. Esse programa era como uma obrigatória atividade social nada tendo a ver com prazeres carnais ou libidinosos. O cabaret era um ponto de encontro onde se conversava com os amigos, se dançava um pouco, se bebia outro tanto e se desfrutava do acolhimento cordial das moças ditas de vida fácil. (Que nem era, e continua não sendo, tão fácil assim).
O footing na Bento era o prelúdio de, com dizia o tango, uma noche de farra. Era ali, andando como num galope de apresentação, onde as moças e rapazes se cruzavam inúmeras vezes, desde a Quinze até a Domingos, exercitando a difícil arte do flerte e da coqueteria.
Mais tarde nos salões do Clube Comercial a moçada dava continuidade ao exercício da arte da sedução quase sempre ao som de um bolero, que até hoje não se criou nenhuma dança mais sensual do que essa. Reunião dançante comportada debaixo do olhar vigilante das mamães ou de alguma outra senhora responsável pelas gurias; os pares numa distância respeitosa e dançar de rosto colado só se fosse namoro sério e consentido pela família. Mesmo assim já dava para atiçar os hormônios da moçada.
Depois daquela excitação toda provocada pela dança e a proximidade das perfumadas e sussurrantes moçoilas da sociedade local que se guardavam para um ansiado casamento sob o risco de serem acusadas de desfrutáveis – infelizmente ainda não conjugavam o verbo “ficar” - só restava um lugar onde, talvez,os rapazes pudessem aplacar as chamas acessas ao som de um bolero: O chinaredo.
Na minha profissão atual já assisti e mesmo participei de vários filmes onde a ação se passava na zona, no meretrício, e o que sempre me contrariou foi a forma com que mostram o que entendem como a realidade desses ambientes retratando-os como um antro de deboche e perdição com mulheres quase despidas, excessivamente maquiadas, freqüentadores ruidosos e violentos. Bem, pelo menos quando ainda jovem costumava freqüentá-los as coisas não eram assim. As meninas, ao contrário do que mostram os filmes, costumavam vestir roupas num comprimento discreto, mais até do que as ditas “de família”, e os freqüentadores as tratavam com uma relativa cortesia. Era ali nosso britânico clube das madrugadas.
No domingo, depois de uma noite passada aconchegado debaixo dos cobertores, às vezes dividindo espaço com mais de uma amiguinha, mesmo que sem a obrigatoriedade da prática da principal atividade comercial do seu local de trabalho, visando tão somente o calor humano para espantar o frio das madrugadas enregeladas pelo minuano, lá ia eu para casa tiritando de frio pelas ruas desertas, mãos enterradas nos bolsos, gola do casco levantada e manta de lã protegendo a cabeça onde ainda, naquela época, ostentava uma farta cabeleira. Ah, que saudade... da cabeleira! Tempos felizes aqueles quando  ainda não havia o perigo de um encontro com algum assaltante e somente se ouviam os apitos tristonhos dos guardas noturnos.
Ao chegar em casa quase sempre encontrava minha mãe já acordada, mateando. Esfomeado me dirigia logo à cozinha esperando já encontrar o café pronto, mas Dona Judith não me perdoava sua preocupação na espera, e quase sempre me saudava assim:
- Ué, tá com fome, guri? Tava na farra, não é? Pois então... O galo onde canta, janta. Porque não tomou café lá com o teu chinaredo?
Mas era só para se fazer de rigorosa, o que ela não era, e logo comandava para sua fiel escudeira para assuntos domésticos e minha protetora incondicional:
- Santa! Bota o café aqui prô garnisé que tocaram ele prá fora do galinheiro. Mas antes manda ele tomar um banho prá tirar esse cheiro de “Trio Regina”.
Para os que não conheceram, o trio Regina - sabonete, talco e água de colônia -era destaque no toucador de nove entre dez das moças da noite daqueles bons tempos.
Recuerdos da Margô, da Gringa, do Ivo, dos Coqueiros, da 28 e de tantos outros pontos “turísticos” da velha Uruguaiana.


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