17 de mar. de 2009

... A VOZ CAMPEIRA PASSEIANDO AVELUDADA

Espero que meus poucos leitores desculpem minha ausência na semana passada. É que a falta de costume e de profissionalismo fizeram com que esquecesse meu compromisso com nosso redator chefe de entregar semanalmente, até sexta feira, os originais dessa coluna.

Todavia, antes tarde do que nunca... Essa falha fez com me furtasse de comentar o carnaval de Uruguaiana, aliada ao fato de que não estive nessa cidade durante os folguedos momescos, coisa facilmente explicável pelo fato de há quase dez anos não dar com as caras por aí. E, podem ficar certos, enquanto não houver um meio de transporte rápido e confortável até a essa fronteira, meu alcance máximo nas plagas gaúchas continuará sendo Gramado durante o festival de cinema. A verdade é que até hoje ainda não estou convencido se vou até lá para ver filmes ou para comer e beber. Não pensem meus conterrâneos que desertei de minha cidadania, pelo contrario, é cada vez maior meu desejo de rever aqueles, como eu, sobreviventes do século XX, da bela época em que os nossos atuais dirigentes ainda eram meros aprendizes de feiticeiro.

Minha filha, Valeria del Cueto, que foi quem me convenceu a colaborar com jornal, ainda se encontra por aí aonde foi para comentar o carnaval para a Tribuna e, pelo jeito, não pensa voltar tão cedo. O que me preocupa é que a última vez que viajou até aí terminou casando e morando na cidade.

Foi ela quem me deu a informação de que a Tribuna irá comemorar com uma edição especial a data em que César “Passarinho” Scout completaria sessenta anos de vida, 21 de março, se já não houvesse subido para o andar de cima.

Grande Passarinho! Sem favor nenhum, uma das vozes mais privilegiadas que já ouvi que, como falou minha mulher na primeira vez que o escutou, cantava num “tom de cascata”, suave e cristalino. Lembro um ensaio na casa, acho eu que do Clemar, Passarinho soltava o gogó, aparentemente sem esforço algum, coçando sua barbinha rala. Quando terminou a musica ela chegou perto e, fazendo-se de zangada, reclamou: - “Cara, você não tem o direito de cantar assim. Vá cantar... Sua voz não existe”.

Depois desse dia tornou-se uma grande admiradora do cantor sempre falando bem dele Brasis afora onde era praticamente desconhecido.

Até que um dia, pouco depois da posse de Brizola em seu primeiro mandato como governador do Rio de Janeiro, quando houve uma invasão de gaúchos na cidade, programaram uma apresentação de musica gaúcha aqui no Teatro João Caetano. Veio a nata do nativismo: Marco Aurélio Vasconcelos, Luis Carlos Borges, Clemar, Leopoldo Rassier, Colmar Duarte, Oristela Alves, Vitor Hugo, Bebeto Alves, e mais um montão de gente que vergonhosamente agora esqueci.Acho que até o Luis Miranda esteve por aqui. E, no auge da sua forma, ele: Passarinho.

O teatro foi todo preparado para uma apresentação de gala da gauchada. Logo na entrada, no saguão, prendas recebiam os convidados no mais puro estilo do terra: Servindo chimarrão. A cuia rodava de mão em mão entre os gaúchos desgarrados do pago diante dos olhares curiosos da cariocada. Tinha até um fogo de chão para esquentar a água. Foi quando um figurão, um político, pediu a um seu assessor para lhe trazer uma provinha daquela bebida. O puxa-saco chegou junto a uma das moças que serviam e, apresentando um copo de plástico, pediu que servisse um pouco para o seu chefe experimentar. A gauchinha se fez de desentendida e encheu o copo. Valeu a pena ver a cara da “otoridade” ao beber descobrir que aquilo era só uma água quente.

O espetáculo foi um enorme sucesso com números de poesia, canto e dança e, claro, Passarinho arrebentou com seu “Negro da Gaita”. Ao final todos foram cumprimentados nos saguão do teatro e se encaminharam para o ônibus especial que iria leva-los para a Fiorentina – o ponto de encontro dos artistas daquela época na zona sul.

A viagem foi divertidíssima. Quando passávamos pela Lapa a gauchada se empolgou com um bando de “meninas” em trajes sumários. Foi um frisson!

- Bah, tche, mas olha essas gurias, que espetáculo!

-Olha só aquela alta e loira só de maiô!

- Pára o ônibus! Pára o ônibus!

Foi quando um mais aquerenciado no Rio deu o contra:

- Que pára nada, seus mambiras! Isso aí não é mulher, é tudo fresco!

- Mas que fresco nada. Uns brotinhos desses...

- É tudo viado mesmo, mais do que o Ivo!

Passado o incidente fomos todos recebidos pela cariocada na “Fiora” com uma bela chopada antecipando a janta. Quando a comilança ia já pelo meio alguém deu pela falta:

- Ué, cadê o Passarinho?

- Alguém sabe dele? A última vez que vi, ele tinha ido tomar uma Coca num bar perto teatro...

- Que Coca, nada. Onde se viu ele beber Coca?

- O pior é que ele não conhece nada aqui do Rio. Acho bom dar parte na policia.

- Dar parte de que? Que seqüestraram o negrinho? Tu tá é louco!

Duas horas mais tarde, quando já tínhamos decidido que a única coisa que se poderia fazer era esperar pra ver se ele estaria no hotel eis que nos surge, cambaleando mais do que “joão-bobo”, acompanhado de outros tantos irmãos da opa, músicos e algumas “moças-de-fino-trato” nosso herói, exclamando:

- Que coisa de louco, essa cariocada! Me pegaram no bar e não queriam que viesse embora.

No dia seguinte, para curar a ressaca, um dos Duarte, acho que o Colmar, vestiu sua melhor pilcha de estancieiro: botas de cano alto, casaco de linho, boné inglês e foi dar uma voltinha na praia de Copacabana.

Um escurinho que andava por ali ao ver aquela figuraça não se conteve:

- Da licença, moço. Essa sua roupa é de que?

- Ué, guri. Isso é roupa de gaúcho.

- Puxa! Pensei que o senhor era um príncipe.


P.S. – Se esqueci ou troquei o nome de alguém neste relato a culpa não é minha, é desse alemão que insiste em embaralhar as idéias: o Alzaimer.

E não deixem de dar uma passada no meu blog: www.delcueto.blogspot.com

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